De início, importa salientar que esta brevíssima reflexão não pretende tratar da execução antecipada da pena, ou seja, da execução antes do trânsito em julgado de sentença penal condenatória. Na verdade, partimos do pressuposto de sua possibilidade, apesar de nossa severa discordância.

O fato é que a execução antecipada da pena era admitida até o início de 2009, quando o Supremo Tribunal Federal (STF) entendeu, no julgamento do HC 84078/MG, que a prisão antes do trânsito em julgado da condenação somente pode ser decretada a título cautelar, sendo inconstitucional a antecipação da execução penal. Assim permaneceu o entendimento até 2016.

Em 2016, com o julgamento do HC 126.292/SP, e com o posterior indeferimento das medidas cautelares requeridas nas ADCs 43 e 44, fixou-se a tese de que “a execução provisória de acórdão penal condenatório proferido em grau de apelação, ainda que sujeito a recurso especial ou extraordinário, não compromete o princípio constitucional da presunção de inocência afirmado pelo artigo 5º, inciso LVII da Constituição Federal”. O principal argumento para fundamentar a mudança de entendimento, exposto pelo relator Min. Teori Zavascki, foi o de que após o julgamento de segundo grau fica exaurido o exame sobre os fatos e provas da causa, ou seja, a matéria de fato se torna definitiva. Por oportuno, colacionamos:

“[…] É nesse juízo de apelação que, de ordinário, fica definitivamente exaurido o exame sobre os fatos e provas da causa, com a fixação, se for o caso, da responsabilidade penal do acusado. É ali que se concretiza, em seu sentido genuíno, o duplo grau de jurisdição, destinado ao reexame de decisão judicial em sua inteireza, mediante ampla devolutividade da matéria deduzida na ação penal, tenha ela sido apreciada ou não pelo juízo a quo. Ao réu fica assegurado o direito de acesso, em liberdade, a esse juízo de segundo grau, respeitadas as prisões cautelares porventura decretadas. Ressalvada a estreita via da revisão criminal, é, portanto, no âmbito das instâncias ordinárias que se exaure a possibilidade de exame de fatos e provas e, sob esse aspecto, a própria fixação da responsabilidade criminal do acusado. É dizer: os recursos de natureza extraordinária não configuram desdobramentos do duplo grau de jurisdição, porquanto não são recursos de ampla devolutividade, já que não se prestam ao debate da matéria fático-probatória. Noutras palavras, com o julgamento implementado pelo Tribunal de apelação, ocorre espécie de preclusão da matéria envolvendo os fatos da causa.

[…]

Nessas circunstâncias, tendo havido, em segundo grau, um juízo de incriminação do acusado, fundado em fatos e provas insuscetíveis de reexame pela instância extraordinária, parece inteiramente justificável a relativização e até mesmo a própria inversão, para o caso concreto, do princípio da presunção de inocência até então observado”.

Ora, o que temos, portanto, é que o STF ao entender que com o encerramento do julgamento de segunda instância há a preclusão absoluta do exame da matéria de fato e, por isso, deve ser afastada a presunção de inocência cuja observação é constitucionalmente imposta até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória (art. 5º, LVII, CF), também abriu a possibilidade, por consequência lógica, da revisão criminal antes do trânsito em julgado.

É que o art. 621, CPP, elenca as condições da revisão criminal: i) quando a sentença condenatória for contrária ao texto expresso da lei penal ou à evidência dos autos; ii) quando a sentença condenatória se fundar em depoimentos, exames ou documentos comprovadamente falsos; iii) quando, após a sentença, se descobrirem novas provas de inocência do condenado ou de circunstância que determine ou autorize diminuição especial da pena. Como se vê, a ação de impugnação autônoma pode ser manejada para a discussão de matéria fática ou probatória. Ocorre que o caput do art. 621 estabelece que a revisão criminal apenas é admissível nos “processos findos”.

Ora, seguindo o exposto pelo Min. Teori Zavascki, à semelhança da relativização do trânsito em julgado imposto como marco de observância do império da presunção de inocência, teríamos que o momento processual apontado como “processo findo” pode se referir, pela aplicação dos mesmos fundamentos, ao encerramento da discussão da matéria fático-probatória.

Portanto, se é possível, segundo o STF, a inversão da presunção de inocência, por restar definitivamente exaurido o exame sobre os fatos e provas da causa na decisão de segundo grau e por isso existiria, de alguma forma, a fixação da responsabilidade criminal, o momento adequado para atacar a matéria fático-probatória por meio da revisão criminal é exatamente após a decisão de segundo grau, mesmo se houver pendência de julgamento de recurso extraordinário ou especial, vez que a ação de impugnação autônoma se presta exatamente a rediscutir fatos.

A mesma celeridade processual buscada para se executar uma condenação deve ser observada para se garantir a correção de uma condenação injusta. Ou, se surgirem novas provas que inocentem o acusado, que já foi condenado em segundo grau de jurisdição e, portanto, já esteja com sua liberdade restringida pela execução antecipada da pena, deveria este aguardar preso o julgamento do recurso extraordinário ou especial? Deveria este desistir do seu direito de recorrer, para que exista o processo com trânsito em julgado e então poder manejar a revisão criminal? Definitivamente não.